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O que vestir

Estar na moda agora é estar toda e bem coberta de corpo

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Vanessa Friedmann

Um lugar-comum da história da moda diz que o estilo que define uma década geralmente se forma bem tarde. As minissaias e cores fortes dos anos 1960, as ombreiras dos 80, o minimalismo dos 90, todos alcançaram seu apogeu no final dessas décadas, quando tudo o que existia nos guarda-roupa e nas ruas acabou se refletindo no mundo todo.

Bem, finalmente chegamos nessa fase da década de 2010. As placas tectônicas da moda se moveram. Olhe à sua volta. O que você vê? Observe as passarelas: durante a temporada recente dos desfiles de moda, os ternos – e mangas e saias longas – estavam com força total. Olhe para as ruas e para as lojas.

“As mulheres que compravam vestidos sem alça e saia curta agora querem vestidos de noite com mangas e gola alta. Quatro estações atrás, não conseguíamos vender uma blusa, e agora todo mundo quer blusas. As jovens que costumavam entrar e comprar vestidos quase inexistentes da Balmain saem agora com saias no joelho e um suéter ou blusa de Emilia Wickstead”, disse Claire Distenfeld, dona da Fivestory, boutique badalada no Upper East Side de Manhattan.

E por falar em Balmain, até mesmo a marca oferece malhas compridas e mangas longas entre as peças curtas e com franjas da sua última coleção.

“É uma macrotendência”, disse Ghizlan Guenez, fundadora do novo site de moda The Modist. Ou seja, uma tendência que vai além da moda. Mas o que é isso exatamente?

O fim do estilo nu – O início da nova era do ‘pluriempoderamento’ do sexo feminino (como disse à CNN Iza Dezon, que projeta tendências), que se expressa através do tipo de vestido que prioriza o indivíduo e suas necessidades, acima dos clichês do papel da mulher.

Isso tudo começou, sem dúvida, como essas coisas sempre começam, há pelo menos três anos – em 2015, o New York Times começou a mostrar as jovens nas ruas do Brooklyn com camadas de roupas dispostas de maneiras criativas, protegendo ou cobrindo seus corpos, mas só agora a tendência chega às massas, graças a uma convergência de fatores sociais, políticos e culturais que se reflete no vestuário.

E no que se refere à questão ‘mulheres’, a moda lhes dá cobertura. Em todos os sentidos.

“Vivemos em uma época de reality TV e transparência, onde tudo está exposto”, disse Lucie Greene, diretora mundial do grupo de inovação da J. Walter Thompson.

A tecnologia nos deixa à vontade para compartilharmos tudo, desde festas que varam a madrugada até o status de relacionamento; com ideias tuitadas no meio da noite (se você for o presidente Donald Trump) ou suas fotos com roupa de baixo (se você é Anthony Weiner); com a ideia de namorar na televisão para todos verem. Greene disse que o movimento dos trajes na direção oposta era, de algum modo, “uma reação a isso, quase uma anti-Kardashianização”.

É um sinal dos tempos, ainda que com um toque de ironia, que, para o retrato oficial de Melania Trump, a primeira-dama tenha escolhido um paletó preto completo, com gravata preta e tudo, uma aparência formal, quase militar e muito coberta – como o vestido e bolero Ralph Lauren que escolheu para a posse, com gola alta e luvas combinando.

“As imagens de mulheres sendo intensamente embelezadas, sexualizadas e mostradas como bonecas durante muitos anos causaram um grande impacto em mim, e acho que isso aconteceu com todas nós”, escreveu em um e-mail Phoebe Philo, diretora criativa da Céline. Como alternativa, Philo tem focado seu trabalho no desenho de roupas – muitas vezes de tamanho grande, macias e envolventes – que funcionem quase como uma crisálida, de onde a mulher possa surgir.

Esse é um tipo de reação estética, mas não é o único. Não se trata apenas de bainhas, por exemplo, pelo menos não na área da física newtoniana da moda (tudo o que sobe tem que descer). Não se trata de se vestir para o poder no velho sentido do ombro estruturado, mas no sentido de que, quando você se sente segura e confortável e protegida, se sente mais forte. E isso se reflete nos chiffons de seda floral de Giambattista Valli, com suas mangas compridas, saias esvoaçantes e golas castas, e os trajes que vão da cabeça aos pés, da Gucci. Na linha puritana/boêmia de Pierpaolo Piccioli para Valentino e no trabalho despretensioso de Stella McCartney, o traje roqueiro elegante de Haider Ackermann e o romantismo vitoriano esvoaçante da Erdem. Há também o trespassado chique de Michael Kors.

“Quando as pessoas assistem aos desfiles de moda vestindo quase nada, a única coisa que pode ser chocante é um terno sob medida”, disse Kors, referindo-se à chegada surpresa de Nicki Minaj às 22h30 no sábado, em março, sentada ao lado da passarela de Haider Ackermann, com seu seio esquerdo quase totalmente exposto. Além disso, seu traje era, de certa forma, menos relevantemente sedutor do que o de Alek Wek, com um casaco longo de cashmere preto perfeitamente cortado, calça skinny preta e camisa com gola polo, casualmente atravessando a passarela em frente.

Talvez porque, como disse Greene, uma das características dessas roupas é que elas, em certa medida, “rejeitam as restrições do olhar masculino”.

Agora que as mulheres encontraram sua voz politicamente, começaram a se expressar através das roupas, seja por meio de calças brancas, os famosos pussy hats ou o movimento da moda recatada. As roupas são parte integrante do debate sobre a liberdade de fazer suas próprias escolhas – sobre o que fazer com seu corpo, quem pode tocá-lo ou o que você coloca nele –, que começou com a ascensão da tendência sem gênero, ganhou força graças à gravação de Trump contando ter agarrado uma mulher e o debate sobre o hijab, e se tornou ainda mais visível durante a marcha das mulheres em Washington em janeiro.

De fato, embora o site The Modist, de Guenez, seja uma homenagem clara ao que é ‘modesto’, também lembra ‘modista’, uma chapeleira ou costureira elegante. A fusão de referências tem menos a ver com o jogo de palavras do que com um reflexo da realidade atual e o fato de que essas opções não estão limitadas a um determinado grupo étnico ou religioso. Afinal de contas, os estilistas vendidos no site incluem Maria Cornejo, Alberta Ferretti e Christopher Kane. A própria Guenez, que foi criada na Argélia, mas se formou na London School of Economics, e que trabalhava com private equity 13 anos antes de iniciar o Modist, começou a se vestir de forma mais discreta três anos atrás.

“É apenas uma preferência de estilo para mim. Acho que é elegante”, disse ela.

‘Elegante’ é uma palavra que aparece muito em associação com a mudança para trajes mais discretos. ‘Sofisticado’ e ‘prático’ também.

E Kors disse: “Estou convencido de que há algo muito mais sedutor nas mulheres que usam coisas que lhes dão confiança, que não as fazem achar que precisam lutar contra a bainha ou arrancar as alças”.

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