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Estrutural, 20 anos depois, põe Cristovam e PM no banco dos réus

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Daqui a cinco dias, a cidade Estrutural viverá um dia histórico: a palavra final da Justiça a 12 policiais militares que participaram, direta ou indiretamente, da morte de três moradores, e na tentativa de outro homicídio naquele fatídico ano de 1998. O julgamento dos PMs será será no Tribunal do Júri de Brasília. O de Cristovam Buarque, governador da época, na consciência do povo.

Um capítulo escrito com sangue na história da vila que virou cidade e abriga mais de 35 mil moradores. Atualmente, boa parte dos que estão lá não tem lembranças da época em que Cristovam Buarque governava o Distrito Federal. Muitos já morreram ou foram embora. Mas na memória dos remanescentes que permaneceram, muitas imagens tristes passam com a intensidade de algo recente.

A invasão da Estrutural – marca que perseguiu os moradores por anos a fio – já existia antes do até então petista Cristovam assumir o Palácio do Buriti. Em 1990, aproximadamente 270 famílias já se abrigavam em seus barracos de lona, entre o aterro sanitário e a DF-095.

Mas foi em 1994 que a relação de Cristovam com a Estrutural começou. Era período de campanha. E como não poderia ser diferente, tempo de promessas. Antes das eleições de outubro, o então candidato divulgou um vídeo em que apoiava a manutenção da cidade. E mais:  dizia que seu partido, o PT, iria ajudar a implementá-la, já que ela fazia “parte do Distrito Federal”.

Cristovam disse, à época: “Todo mundo tem o direito de ter a sua casa própria. E o PT sabe o que é isso. Nós vamos levar ajuda a vocês para seguir que cada um de vocês tenha sua casa própria. A primeira ajuda quer dizer que esse terreno é seu. E se esse terreno é seu, na mesma hora você poderá começar a fazer a sua casa porque sabe que ninguém vai expulsar você, ninguém vai demolir… E a Vila Estrutural faz parte do Distrito Federal”.

Muitos apontam para ele na hora de achar um culpado. (Veja um vídeo com esse depoimento e imagens das operações policiais na Estrutural que foi publicado no youtube).

Da promessa à traição, segundo palavras dos moradores. Assim que assumiu o Executivo, Cristovam Buarque apagou do seu histórico de conversa, todas as promessas feitas à população da Estrutural. O descumprimento é atribuído à pressão do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF). Uma área ao lado da invasão – hoje é o Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA) – era pretendida pela entidade.

A partir do momento em que subiu a rampa do Palácio do Buriti, Cristovam iniciou a remoção da Estrutural. De início, para tentar um diálogo mais próximo do que havia prometido aos moradores, o então governador fez algumas exigências, como o tempo de Brasília, para que ficassem. Queria dez anos. Repensou e pediu cinco. No entanto, com este último período, 95% da população teve o direito de permanecer. O chefe do Executivo não aceitou.E insistiu, então, na ideia de remover as famílias. Foi quando começou a guerra. Literalmente.

Entre os moradores e Cristovam Buarque havia dois intermediadores. Pelo lado da cidade, o então deputado distrital José Edmar e o empresário-deputado Luiz Estevão. Representando o GDF, Arlete Sampaio, que se fazia de leva-recados entre os parlamentares e o governador. Em determinado momento, no entanto, quando pouca coisa avançava nos acordos, foi preciso descer do salto e conversar. Cristovam foi à casa do José Edmar, em Taguatinga. O objetivo era convencê-lo a desistir daquela bandeira.

Com o personagem político da Estrutural fora do páreo, a remoção seria questão de tempo. Apesar da retórica e articulação das quais é hábil, o ex-petista não demoveu Zé Edmar da ideia de criar a Cidade Estrutural. O que houve foram cobranças por parte do ex-parlamentar pelo cumprimento das promessas. Cristovam saiu de lá furioso.

Na Câmara Legislativa, a criação da cidade Estrutural não era bem vista por todos. O hoje governador Rodrigo Rollemberg era contra a permanência da Estrutural. Segundo o socialista, a cidade comprometia o Parque Nacional.

Durante a gestão de Cristovam, a Estrutural viveu dias difíceis. Boa parte dos barracos à época era feito de lona. Muitos erguiam seus casebres pela manhã e no final da tarde desmontavam porque o governo fazia operações de remoção. Não importava se lá havia criança ou não.

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Helicópteros faziam varreduras por várias noites. Uma das formas encontradas por Cristovam era suprimir a população dentro da própria cidade. Nos limites da região, a PM desenrolou quilômetros de arame farpado para impedir a saída das pessoas. Outra alternativa de enfraquecer os moradores era promover a fome. Para isso, os policiais bloqueavam o único acesso que tinha na Estrutural para caminhões que abasteciam mercadinhos locais.

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À época, sem saneamento básico, os moradores tinham acesso à água potável apenas pelo carro pipa, da Caesb. Serviço que também foi cortado. Assim, os moradores iam até o córrego que margeia a Estrutural para encher tambores de água, no caso, carregados por carroças. Vale lembrar que há um aterro sanitário próximo. O chorume do lixão corre por debaixo da terra e chega às águas das nascentes.

Também atravessavam a Via Estrutural para buscar água no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). Todas essas informações foram baseadas em relatos dos envolvidos, políticos ou não. Cristovam Buarque nega todas elas. A entrevista completa do senador estará disponível na próxima segunda-feira (27) nesta série de reportagens especiais.

Todo o conflito entre moradores e governo – leia-se a PM – chegou ao seu ápice com a morte do policial militar Rubens Gomes Farias, em agosto de 1998. Certo dia da rotina militar de entrar nas casas, Rubens foi recebido numa delas à bala. O tiro acertou sua cabeça. Dois dias depois, a polícia desencadeou a Operação Tornado. Passou por todas as casas alegando apreender “armas brancas”.

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Em 24 de setembro de 2003, o coronel Aníbal Person Neto, que era Comandante-geral da PM durante a Operação Tornado prestou depoimento à Justiça. Ao juiz disse que considerava um risco realizar a Operação na Estrutural por falta de material adequado como coletes à prova de balas e capacetes. Externou isso aos seus superiores naquele período, além de ressaltar que o clima entre a população local e a polícia era tenso depois do assassinato do PM Rubens.

Ainda em seu relato, o coronel afirmou ter sido contrário a operação na cidade e que Cristovam teria dado ordem para realizá-la justamente por causa do assassinato do soldado. Coincidentemente, Aníbal foi exonerado no mesmo mês e no seu lugar assumiu Daniel de Souza Pinto Junior, um dos réus que será julgado no dia 28 de abril.

Foi nesta operação que entraram na casa de Roberto José dos Reis Filho, conhecido na cidade pelo apelido de Azulão. Mataram seu filho Milton Sá e sua esposa Regina Célia do Nascimento. Ele com um tiro e ela a pauladas. No Azulão, foram três disparos na cabeça. Acontece que Azulão sobreviveu. Os policiais militares não contavam com isso. O crime foi investigado pela 3ª DP comandada por Durval Barbosa. (Cristovam acusa Durval Barbosa – 27 de abril).

Depois de sobreviver, Azulão revela que o tentaram matar por mais três vezes: uma no hospital, durante sua recuperação e outras duas numa chácara onde ficou escondido por anos. E no dia 28 de abril, os policiais militares e Roberto José dos Reis Filho estarão frente a frente novamente. Dessa vez, sem revólveres e sem ameaças. Apenas o juiz e sete integrantes da Corte para definir a sentença dos PMs e a liberdade de Azulão.

*O material usado nesta reportagem é de arquivo pessoal de moradores, incluindo a assistente social Nayara Mendes, filha de Marlene Mendes, uma das líderes comunitárias da Estrutural. Sobre elas o internauta poderá ler mais em matérias a serem publicadas nos dias 25 e 26.

Elton Santos

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