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Fracasso dos Estados Unidos se arrasta no Oriente Médio

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Mesmo antes de sua ascensão ao poder, em 2001 (governará até 2009), George Bush imaginou as possibilidades ilimitadas de construção de novas bases de poder americano. Um dos pilares, deste poder renovado, seria a reconstrução da presença política, militar e econômica no coração do Oriente Médio.

Assim, tendo um largo tripé de força na região, formado pela Turquia (membro da OTAN), Israel e Egito, com a presença financeira da Arábia Saudita, acreditavam poder tomar um país médio, rico em recursos, com uma posição central e uma boa elite formada (e vivida) nos exílios norte-americano e britânico, como “região-pivô” para a renovação da hegemonia norte-americana.

Este país seria o Iraque. Uma ditadura laica, com veleidades passadas de tipo “socialismo árabe” (do Partido Baath ou Bass) e um ex-aliado, agora abandonado, da recém-extinta URSS.

O dominar o Iraque, um incômodo país com um ditador instável (mas, que já servirá aos interesses norte-americanos contra o seu vizinho, o Irã, durante a crudelíssima guerra Irã-Iraque, entre 1980-1988), seria um golpe central para pacificar a região e, acumulando forças neste “tabuleiro”, potencializar suas ações em outros “tabuleiros” do xadrez mundial. Assim, dominar o Iraque equivalia:

1. Exportar para o Oriente Médio um modelo de país-cliente, dócil aos interesses americanos e um excelente destino para empresas americanas, em especial gás/petróleo e serviços;

2. Um forte reforço da posição dos EUA e suas empresas em disputa com a “Velha Europa”, que embora “pacifista” e cooperativa (aos olhos de Washington) era um concorrente aos interesses econômicos americanos na região;

3. Assumiam, os EUA, controle do fluxo de petróleo do Golfo Pérsico (Iraque, Arábia, Emirados e da própria segurança do transporte dos recursos do Irã) para o mais novo e sério concorrente, a China Popular – o controle do Golfo Pérsico asseguraria o controle do fluxo de combustível para o Japão, Coréia e Taiwan; e, em fim, o Irã, a grande força de resistência à hegemonia norte-americana ficaria isolados e bloqueados, com suas indústrias sucateadas e com medidas restritivas militares e econômicas que poderiam culminar no seu colapso político e econômico ou no amadurecimento de um ataque preventivo (com ou sem a participação de Israel).

Este foi o “sonho” geopolítico dos chamados “neoconservadores” (tais como Donald Rumsfeld, John Bolton, Dick Cheney e “Condi” Rice, todos figuras de proa do governo Bush). Tal plano, centrado num forte lobby da indústria bélica e da indústria de gás/petróleo junto ao Congresso Americano tinha como objetivo fortalecer e centrar seus investimentos bilionários em armas no “CentCom” – o poderoso complexo militar americano entre o Mar Mediterrâneo e a Índia. Assim, empresas bélicas, empreiteiras, serviços, gás/petróleo e militares, junto dos fundamentalistas cristãos (interessados na reconstrução do Templo de Jerusalém para o ansiado “Segundo Advento” e muito próximos do então presidente Bush, ele mesmo um “reborn” cristão) e dos interesses do Estado de Israel, forjariam um novo mapa do mundo, abrindo caminho para “mais um século” americano de poder mundial – the new american century, como então afirmavam.

O brutal e inesperado ataque da Al-Qaeda, de 11 de setembro de 2001, contra os EUA não foi a causa para os ataques, neste mesmo ano, ao Afeganistão dos talibãs-Al Qaeda ou, em 2003, o ataque – contra todas as regras do direito internacional e dos organismos mundiais – ao Iraque em 2003 – em busca de imaginárias “armas de destruição em massa”.  O “plano” já existia e o ataque terrorista aos EUA apenas apressou, justificou e uniu, naquele momento, os americanos em torno do seu ambicioso plano de lançar as novas bases de uma hegemonia global num mundo pós-Guerra Fria (1947-1991) e pós-URSS, onde os EUA reinariam sozinhos.

A partir de então, tudo começou a dar errado.

A complexidade antropológica e cultural do Afeganistão e do Iraque, a emergência de novas formas bélicas, de tipo reticular, constituído em redes, de organização e luta contra inimigos muito mais fortes, deu aos resistentes muçulmanos condições de desenvolver, conduzir e impor novas técnicas de guerra irregular (ou assimétricas). Enquanto as potências dominantes conduziram todos os meios e recursos bélicos para formas altamente tecnológicas de combate – com drones, cyberwar, aviônica e balística – os combatentes, resistentes em seus territórios -, buscaram combinar as tradições da guerra irregular (incluindo o chamamento religioso, de tipo jihadista), com novas formas tecnológicas (informáticas de consumo direto, convertendo produtos de uso corrente, tais como pcs, telefonia móvel, gps, etc…) em forte elemento de logística de uma nova guerra. Era a emergência das estratégicas de luta do fraco contra os fortes – como prenunciava Lucien Poirier ( ver o livro heterodoxo do estrategista francês, “La Crise des fondements, Paris, ISC/Economica, 1994”), antes mesmo da guerra começar, mas já crítico atento da estratégia americana pós-Guerra Fria.

Assim, as acusações de “terrorismo” como sendo a “arma” por excelência da resistência no Afeganistão, Paquistão e Iraque é apenas uma parte, e não a mais importante, do enfrentamento antiamericano no Oriente Médio e Ásia Central.

As formas de luta desenvolvidas pela “nebulosa” Al-Qaeda e dos seus aliados e correlatos envolvia, e envolvem todas as formas tradicionais de guerra irregular (desde a velha guerrilha no deserto e nas montanhas; sabotagem; ataques contra alvos econômicos – uma das razões para os EUA acelerar sua saída do Iraque e do Afeganistão, já sob o governo Obama – e uma intensa luta ideológica, baseada na especificidade da religião muçulmana/sunita e nas tradições culturais e antropológicas (quase sempre desprezadas como “tribalismo”) combinados com cyberwar.

O governo George Bush pode, contudo, assistir ainda em Washington o fracasso de todo este ambicioso projeto: paralisia no Afeganistão; desmoronamento no Paquistão; expansão dos movimentos “islâmicos” para os países do Mar Vermelho (Somália, Iêmen, Omã) e do “Sahel” africano (República Centro-africana, Mali, Níger) e, em fim, a perda de controle do próprio Iraque, afundado numa rotina letal de ataques, com o envolvimento do governo local numa prisão de alguns quilômetros quadrados, a “Zona Verde”, onde impera a corrupção e inépcia militar e administrativa.

Em casa, Bush, deixava um país marcado pelo trauma do furacão Katrina, com os pobres abandonados; guerras inúteis e perdidas e a maior crise econômica mundial depois de 1929.

Foi neste vazio que Barack Obama tornou-se uma esperança. Era diferente, deveria fazer a diferença e pouco depois de assumir a presidência foi agraciado com o Premio Nobel da Paz. Talvez o prêmio mais prematuro de toda a história do galardão.

Obama (empossado em 2009) buscou, acossado pela crise econômica que não cede malgrado uma constante gangorra de números, uma saída honrosa, rápida e econômica para as guerras buscadas por Bush. Assim, planejou a retirada do Iraque e anunciou a saída do Afeganistão – considerando a “missão” finalizada.

Os habitantes destes países, já convencidos das virtudes do modelo americano, estariam em condições de “defenderem-se” a si mesmos. Claro, Obama transformava a estratégia americana de Bush – intervenção militar, uso massivo de “armas inteligentes” e ocupação de territórios – Obama buscou enfraquecer os inimigos através do uso em larga escala da Inteligência Estratégica combinada forças especiais – como no caso da morte de Bin Laden, morto em 2011, o maior sucesso em política externa da presidência Obama – e o uso disseminado, incontrolado, e sem critérios claros, dos temíveis “drones”, uma arma que mata indistintamente em grande distância. Pelo seu uso massivo morrem centenas de civis inocentes… Mas, ao menos, não havia baixas americanas – o fator mais importante para a imagem do próprio Obama.

Obama foi, ainda, atropelado pelo fenômeno das diversas “Primaveras” árabes. Da Tunísia até a Síria, por todo Golfo Pérsico e, principalmente no Egito, as populações se revoltaram contra regimes aliados históricos do Ocidente. Em apenas um caso, a Síria, o governo era um inimigo. A ideia de Obama – e de seus entes financiadores, de agentes e “blogs” financiados pelo mundo todo, diretamente ou indiretamente ligado às agências de governo norte-americana – em prol de mais e mais “primaveras” – não imaginaram que a opinião pública árabe, quando pudesse se manifestar livremente, seria tão antiamericana. Nos países em que Washington mais esperava a formação de governos “modernos” e pró-ocidentais, como na Líbia e no Egito, emergiram regimes de forte caráter anti-israelense e antiamericano, culminando em tragédias do Cairo, Benghazi e Trípoli.

Na Síria, onde uma ditadura de xiitas e cristãos lutavam contra uma vaga de combatentes sunitas, muitos vindos do Iraque e do Afeganistão, a Europa e os Estados Unidos, apoiados pelas monarquias petroleiras do Golfo Pérsico (à frente a Arábia Saudita) e com apoio da Turquia e de Israel, armaram e municiaram fortemente frações da própria Al-Qaeda. Esta, tão radical em seus objetivos de criar um califado santo no coração do Oriente Médio, que rompe com a própria Al-Qaeda. Essa é a origem do “Estado Islâmico do Iraque e da Síria” (ISIS) que hoje atravessa as fronteiras entre os dois países e avança sobre as maiores cidades do Iraque.

A tomada de Mossul, desde 8 e 9 de junho de 2014, com o colapso de duas divisões completas de exército iraquiano (com a debandada de cerca de 30 mil homens) armados e treinados pelos EUA, é o sinal mais gritante que da política americana de um renovado domínio sobre o Oriente Médio, da preeminência do poder militar do “CentCom” e do controle do petróleo/gás local por empresas americanas) nada mais resta.

Neste momento, com as tropas inimigas a acerca de 110 quilômetros, da capital Bagdá, depois de mais de cem mil nortes, Obama deve refletir sobre como não terminar seu governo na solidão da derrota de George Bush.

Francisco Carlos Teixeira

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