Os ricos... e os pobres
Justiça brasileira é espelho que reflete desigualdades sociais do País
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A Justiça no Brasil é um espelho fiel das desigualdades sociais históricas que marcam o nosso país. Embora o princípio constitucional afirme que todos são iguais perante a lei, o que se observa na prática é uma Justiça seletiva, que pune com rigor os pobres e alivia os ricos. Essa distorção cruel, fica escancarada em casos recentes que indignaram a opinião pública, nos quais pessoas com poder aquisitivo, mesmo envolvidas em crimes graves, receberam tratamento brando, enquanto cidadãos comuns, sobretudo os pobres das periferias, continuam enfrentando o sistema penal com violência, ausência de garantias e abandono estatal.
O caso do ex-vereador Gabriel Monteiro, acusado de estupro, serve como um exemplo gritante da complacência com os que têm dinheiro e influência. Mesmo diante de denúncias consistentes e provas perturbadoras, o processo foi arrastado, e houve tentativas de blindagem institucional. A sociedade assiste, perplexa, a disponibilidade da liberdade mediante fiança ou outras manobras legais que raramente são viabilizadas para pessoas comuns. O crime, que em tese deveria causar repulsa e punição exemplar, é tratado com relativização quando o autor tem conexões políticas e advogados sagazes.
Outro exemplo revoltante foi o caso do homem que agrediu um bebê, alegando que pensava se tratar de um bebê reborn. O episódio, que por si só exigiria uma resposta penal imediata e enérgica, gerou reações brandas da Justiça. A justificativa? Uma suposta confusão mental, somada à ausência de antecedentes e, claro, à estrutura financeira que garante a ele bons advogados e proteção. Alegações de insanidade ou confusão mental, frequentemente estão sendo usadas para livrar da cadeia quem tem meios para bancar essa narrativa.
E o que dizer do ex-deputado Roberto Jefferson, que atirou contra policiais federais em pleno cumprimento de ordem judicial? Qualquer morador da favela que cometesse ato semelhante teria sido morto no local ou, na melhor das hipóteses, espancado e lançado ao cárcere por tempo indeterminado. Mas Roberto Jefferson, mesmo com histórico de escândalos e corrupção, foi tratado com uma estranha deferência: negociação, cuidados médicos de ponta e prisão domiciliar. É o retrato perfeito do privilégio institucionalizado.
Enquanto isso, jovens negros, moradores das periferias, são mortos em operações policiais mal planejadas, presos preventivamente por anos sem julgamento, ou sofrem torturas dentro do sistema carcerário por crimes muitas vezes sem provas robustas. A seletividade penal é escancarada: o sistema persegue corpos pobres e racializados com uma fúria que nunca se vê contra os abastados e poderosos.
Essa lógica inverte completamente a noção de Justiça. O que deveria ser um espaço de equidade virou um campo minado, onde a sobrevivência depende da conta bancária. O direito à defesa existe, mas só se concretiza plenamente para quem pode pagar. A fiança, que deveria ser um instrumento de exceção, é usada como salvaguarda da elite. As prisões preventivas, que deveriam ser o último recurso, são a primeira opção para quem é pobre. A dignidade humana, que deveria nortear o sistema penal, torna-se um privilégio seletivo.
O resultado é um país com duas justiças: uma, benevolente e garantista, para bandidos de colarinho; outra, punitivista e brutal, para pobres e negros. E essa cisão é o principal obstáculo para a construção de um Estado verdadeiramente democrático. Enquanto a balança da Justiça continuar pendendo para o lado dos ricos, ela nunca será símbolo de imparcialidade, será apenas um reflexo das estruturas de poder que sustentam a desigualdade.
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Rafaela Lopes, colaboradora do Café Literário, eventualmente escreve outros textos para diferentes editorias de Notibras
