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Estragos do furacão

Porto Rico ainda sofre com falta de comunicação e de alimentos

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Claudia Müller 

Duas semanas depois da passagem do furacão Maria por Porto Rico, os moradores ainda convivem com a falta de luz, água, comida, gasolina e o aumento da criminalidade. Quem mora na ilha caribenha já está acostumado com os fenômenos naturais, mas nada se compara, na história recente, com a destruição causada por Maria. Enquanto cidadãos americanos em território americano, os porto-riquenhos esperam que alguma ajuda efetiva chegue ao Caribe. Nesta terça-feira, 3, o presidente Donald Trump visita o local, onde acompanhará os trabalhos de recuperação conduzido pelas autoridades.

Em meio a ruas bloqueadas, com pontes e árvores caídas, os moradores também têm de se preocupar em realizar rondas noturnas. No esquema de revezamento, alguém fica responsável por monitorar a região e impedir que a comunidade sofra roubos de geradores, de água da cisterna e o que mais possa ser útil nesse cenário de desespero. “Em relação aos saques, há de tudo: quem rouba por necessidade e aqueles que se aproveitam da situação”, contou ao Estado Gabriel Rodríguez, publicitário porto-riquenho de 35 anos.

A comida já está escassa. O que a família dele come diariamente é o que foi guardado antes da passagem do furacão. Diante da dificuldade de locomoção, fica difícil fazer compras e abastecer os mercados. Quem consegue chegar até estes locais, encontra filas imensas e gôndolas vazias, o que obriga as pessoas a racionar o que ainda tem.

A gasolina é outro item que está em falta. “As filas para conseguir combustível estão com espera de 6 a 12 horas, então uma pessoa que quer trabalhar tem que enfrentar todo esse tempo”, relata Rodríguez. Segundo ele, a tensão causada pela falta de combustível já causou brigas e até mortes nas filas. Além disso, foi instituído um toque de recolher das 19 horas às 5 horas, o que dificulta a busca por combustível. “A falta de gasolina está atrasando todo o processo de recuperação.”

Como está difícil conseguir gasolina, o jeito que o publicitário encontrou para trabalhar foi se mudar, com toda a família, para a casa de um amigo que mora mais perto da capital, San Juan. Rodríguez morava em Dorado, no subúrbio. Os pais dele vivem ainda mais longe e, como Porto Rico sofre também com falta de rede de comunicação, Rodríguez já está há dias sem falar com eles.

A dificuldade de contato com a família também foi vivida pelo relações públicas Edward Alexander Delgado, de 35 anos. Ele só conseguiu conversar com o pai uma semana depois do furacão. Para conseguir falar pelo celular, os pais dele precisam sair de casa e ir até um ponto onde há sinal ou procurar um lugar que tenha Wi-Fi disponível.

Carregar o aparelho só é possível nos carros ou para quem tem um gerador, que também é usado para manter os alimentos conservados em geladeiras. Algum sortudo pode encontrar um estabelecimento que não esteja no escuro, mas isso é raro. “As redes de eletricidade da ilha são muito antigas e sofreram bastante”, conta Delgado.

Ele ressalta, no entanto, que em sua família todos estão bem. Os pais dele moram na Flórida e viajaram para Porto Rico para cuidar dos avós, que já são idosos. “Minha maior angústia foi ficar sem falar com eles. Eu recebia notícias por terceiros, então eu sabia que estavam bem e vivos, mas eu não ficava totalmente tranquilo por não ouvir isso deles.” Delgado nasceu nos EUA, mas foi criado em Porto Rico. Chegou com um ano e meio à ilha e saiu só em 2007. Há mais de três anos, ele mora no Brasil.

Rotina – Como quem mora em Porto Rico é acostumado a furacões, a família de Delgado não pensou em sair de lá quando os avisos ainda para o Irma começaram. Além disso, quando compraram as passagens não havia rumores de furacão. “Isso é comum para nós, mas como esse (o Maria) realmente nunca houve outro dessa magnitude.”

A falta de gasolina também foi um problema para os pais dele. “Meu pai ficou 12 horas em uma fila para comprar gasolina e depois ficar sabendo que não tinha mais”, diz. Ele voltou no dia seguinte, mas só estavam vendendo uma quantidade limitada do produto. Além do problema de mobilidade, a maioria dos porto-riquenhos segue desconectada do mundo: sem televisão, sem rádio, sem internet.

A água, como os demais serviços públicos, também está em falta. Na tentativa de solucionar o problema, o governo manda caminhões pipa para as ruas. Quem mora na montanha pega água do rio. “A estrutura da ilha foi muito danificada, e não temos notícias de todas as pessoas. Em alguns lugares ainda chove e há inundações, o que é o maior problema agora”, diz Delgado, com base nos relatos de seus pais.

Para alívio da família de Delgado, a perda material foi pequena. Apenas a extensão do segundo andar da casa da avó sofreu dano estrutural em razão dos ventos fortes e a chuva estragou o que havia dentro.

Privação – A dona de casa Brunilda Riverasoto, de 40 anos, não teve a mesma sorte. Morando há um ano na casa de um irmão nos EUA, ela ainda não havia conseguido falar com outro irmão, com a filha e com o neto que moram em Porto Rico desde o furacão.

Brunilda só teve contato com a irmã e um sobrinho, que mandaram fotos da casa dela, em Arecibo, completamente destruído. “Choro ao falar disso, porque é uma dor tão profunda a que sinto”, relata. Ela viajará para Porto Rico neste mês para poder ajudar seus conterrâneos. “Minha ilha encantada está destruída e me dói a alma ver tudo isso.

“Os porto-riquenhos, porém, tendem a ser otimistas. “O espírito é de bola para frente, mas está faltando serviço básico, estrutura, e isso tem um limite. As pessoas ficam esperançosas, mas é difícil manter esse sentimento se as coisas não chegam”, conta Delgado.

O publicitário Rodríguez tem amigos que estão ajudando na recuperação do território americano e eles relatam que cidadãos estão morrendo de fome e de sede. Há quem necessite de oxigênio, de insulina, de diálise e não há acesso.”Há casos de encontrarem pessoas mortas há vários dias dentro de casa. Se ainda não estamos em uma crise humana, estamos muito perto disso e é possível sentir essa tensão nas ruas.”

A secretária Adaljisa Perdomo, de 60 anos, tem um irmão diabético que mora em Porto Rico. Ele precisa de insulina quatro vezes por dia. “Soube que está bem, mas não consegui falar com ele desde o furacão”, afirma. Ela mora na Flórida desde 1974 e diz que desde o furacão Andrew, em 1992, sempre que tem notícia de que furacão de categoria 4 ou 5 – a mais elevada na escala de Saffir-Simpson – pode passar por sua casa, entra no carro e vai para longe. Dessa vez, ela torce para que a sobrinha consiga trazer o irmão para Miami.

Ajuda – Segundo a Cruz Vermelha americana, o principal desafio na recuperação da ilha é conseguir levar suprimentos para regiões afastadas. A tempestade destruiu casas, pontes e rodovias, e danificou a infraestrutura elétrica, o sistema de distribuição de água e plantações. A organização acredita que pode levar meses até que a eletricidade seja restaurada completamente e estima que custará US$ 200 milhões para recuperar as estradas de Porto Rico.

Para os trabalhos de ajuda às vítimas, a Cruz Vermelha conseguiu arrecadar 20 mil kits de higiene pessoal, 6 mil cobertores, 5 mil kits de limpeza, 8 mil lonas, além de milhares de lâmpadas e baterias, por exemplo. A organização também tenta colocar famílias em contato e distribuir comida e água.

Diante da situação, alguns porto-riquenhos divulgaram vídeos nas redes sociais em que questionavam a falta de ajuda de Washington e as razões pelas quais as companhias aéreas não estariam levando para Porto Rico as doações destinadas à ilha, que estariam paradas em Orlando e Miami. Os porto-riquenhos também questionam por que haveria alimentos, água e remédios esperando para serem distribuídos no porto.

A Airlines for America, associação que representa as maiores companhias aéreas comerciais dos EUA, informou que a crítica é “irresponsavelmente falsa”, já que, desde que o furacão se dissipou, as companhias se “juntaram com organizações humanitárias para enviar aviões e centenas de milhares de (toneladas de) alimentos, equipamentos e outros suprimentos de ajuda”. A autoridade portuária não retornou os contatos da reportagem.

Rodríguez já não sabe mais se quer continuar na ilha. “Nós somos solidários, sabemos como administrar essa situação, mas não há movimento de mudança, estamos do mesmo jeito ainda”, reclama. Isso faz com que os sentimentos de solidariedade e sobrevivência se cruzem, o que cria uma competição pelos recursos. “Quero esperar um pouco para ver se algo se restabelece, senão é provável que eu pegue o primeiro avião para sair daqui. Tenho um compromisso com a ilha, quero ficar, quero ajudar, mas não às custas da minha família.”

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