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Regras para uma nova ordem mundial, na visão de Putin

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O discurso de Vladimir Putin no final da semana passada no Clube Valdai pareceu muito duro para a maioria dos comentaristas. Ao ignorar o par de metáforas fortes, como “dona da taiga” (característica da Rússia) e a geopolítica dos “novos ricos”, que não conseguem administrar a riqueza ilimitada que possuem (característica da América), a apresentação informativa pode ser considerada como mais analítica do que populista. Por que houve essa reação?

O fato de que o presidente russo não aceita a política norte-americana moderna não é uma novidade. Ele fala sobre isso há anos. O tom mudou. Durante seu primeiro mandato, Putin convidava a uma mudança de rumos, porque as ameaças comuns superavam os desacordos. Durante o segundo mandato, ele advertia que a Rússia não admitiria que sua opinião fosse ignorada. Durante a campanha eleitoral de 2012, ele estava perplexo, tentando entender a lógica das ações de Washington, que não fortalecem a ordem internacional, mas a destroem objetivamente.

No discurso feito neste ano no foro Valdai, sente-se o fatalismo –o orador já não confia na capacidade dos Estados Unidos de mudar, ele simplesmente afirma o caráter destrutivo das ações. Talvez seja essa falta de expectativas que produz o maior efeito, fazendo-nos interpretar o discurso de maneira negativa.

Enquanto isso, a mensagem principal de Putin foi bastante positiva, porque tinha muito em comum com o tema principal da reunião de Valdai, a busca de novas regras para a comunidade internacional, que poderiam permitir o início da próxima fase de desenvolvimento. Até então, o mundo estava realmente em fase de erosão e agora na de desmantelamento rápido do sistema que se desenvolveu na segunda metade do século 20.

A construção de uma nova ordem mundial, da qual tanto se falou 25 anos atrás, não teve êxito. O processo começou como uma tentativa de encontrar um modelo comum, envolvendo duas superpotências (assim a ordem foi imaginada por Mikhail Gorbatchov e ele foi o primeiro a mencioná-la). Com o colapso da União Soviética, o “arquiteto”, os Estados Unidos, ficou sozinho. Ninguém conseguiu controlar os processos globais, é mais provável que tenha acontecido o contrário.

É justo dizer que o mundo multipolar, que surge hoje, não promete nem ordem, nem harmonia, nem equilíbrio. Isso foi dito pelo presidente russo, o mundo multipolar aumenta a anarquia global, porque o número de jogadores internacionais está crescendo e ainda não existem regras.

Putin é diferente dos outros líderes dos principais países porque ele não apenas condena e critica a política dos Estados Unidos (embora há poucas pessoas que se decidam a fazê-lo), mas sistematicamente rejeita seu papel. É isso que provoca a maior reação. De fato, após a Guerra Fria, a dominação mundial dos Estados Unidos tornou-se um axioma e qualquer transformação do mecanismo global era considerada como uma correção técnica dessa posição e não como sua alteração.

No nível teórico, é óbvio que todos compreendem que não existe a hegemonia eterna. Charles Krauthammer, que em 1990 introduziu o termo “momento unipolar” (em outras palavras, o período em que os Estados Unidos podiam fazer tudo o que consideravam necessário), advertiu que isso não iria durar para sempre. Ele, aliás, quase adivinhou a duração “do momento”: 25 ou 30 anos. Mas na prática, a superioridade dos Estados Unidos era, e continua a ser, tão grande que não foram discutidos os outros modelos nos quais Washington poderia ser “um dos” ou mesmo “o primeiro entre iguais”.

Estritamente falando, a atitude fortemente negativa dos Estados Unidos a respeito daquilo que faz e diz Pútin é justificada –em Washington, entende-se que o presidente russo repetidamente questiona não suas políticas, mas seus direitos especiais. Parece que ocorre a situação clássica em que aparece um desafiante a essa hegemonia que pretende encerrar sua dominação no mundo. Consequentemente, é necessário limitá-lo e não deixá-lo se fortalecer.

O paradoxo é que Putin repete constantemente que a Rússia não quer o domínio global, não pretende governar o mundo, nem participar de uma corrida para mostrar a sua grandeza. Essa frase foi pronunciada tanto ao longo do discurso no Clube Valdai quanto em outras reuniões. O presidente da Rússia percebe o potencial do seu país. No entanto, se recusa a jogar de acordo com as regras estabelecidas pelo governo dos Estados Unidos. Tanto no nível das demonstrações conceituais, quanto no nível das ações práticas. As ações da Rússia em 2014  –especialmente as decisivas em relação à Crimeia– demonstram que Moscou prefere seguir seus interesses, independentemente do que os outros pensam disso.

Ainda não foi dado outro passo –o apelo para o resto do mundo. O discurso de Putin no Clube Valdai, como muitos outros de seus pronunciamentos, é mais uma vez uma mensagem dirigida especificamente para o Ocidente. No mundo novo, aquele que o presidente descreve em traços largos, é necessário haver discussões intensas com os países e regiões que não se opõem ao Ocidente, mas simplesmente não estão incluídos no bloco ocidental. A discussão sobre as novas regras não pode ser conduzida pela antiga linha do confronto da época da Guerra Fria. O mundo é mais democrático e o resultado do processo global depende em grande parte das “grandes massas do mundo.”  Junto às quais é preciso promover a agitação.

Fiódor Lukianov

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