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Reis, juiz da Ficha Limpa, diz que falta de impunidade dá mais força para a corrupção no País

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A certeza da impunidade impulsiona os desvios de verba os municípios brasileiros. A opinião é do juiz Márlon Reis, um dos criadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e idealizador da Lei da Ficha Limpa. “Há muitos desvios nos municípios, e isso se deve à certeza de que não serão descobertos”, disse ele em entrevista divulgada pelo Uol.

O magistrado atribuiu a repetição de casos de corrupção, como noticiados esta semana em Bom Jardim (MA) e Campo Grande, à troca de favores comum nas eleições municipais.

Para Reis, a Lei da Ficha Limpa, que deveria ser o instrumento para impedir candidaturas de maus gestores, acaba sendo enfraquecida pelo mau funcionamento dos tribunais de contas. “Se operassem de modo mais efetivo, teríamos uma revolução na cultura política dos municípios”, afirmou.

Veja tópicos da entrevista:

Os casos de afastamento de prefeitos esta semana voltaram a chamar a atenção do país para um problema recorrente: as denúncias de desvio de recursos públicos em prefeituras. Por que isso ainda parece ser rotina no país?

Reis – Isso ocorre por várias razões, embora algumas possam ser destacadas. As eleições municipais são desde logo comprometidas por vínculos de natureza clientelística e paroquial. Imperam interesses imediatos e, muito recorrentemente, a conquista do apoio político mediante oferta de vantagens econômicas. Para isso os candidatos precisam obter recursos com doadores que cobrarão participação ativa na definição dos gastos públicos. Há ainda os agiotas, que fazem empréstimos milionários à custa de juros extorsivos a serem pagos pelos cofres públicos. Isso implica dizer que os eleitos, na maioria das vezes, assumem os mandatos comprometidos com dívidas que comprometerão a qualidade dos mandatos. As pequenas cidades – assim consideradas aquelas que têm até 50 mil eleitores – são responsáveis por mais de 60% do eleitorado brasileiro, premidos por “estratégias sociais” que rebaixam a qualidade da política. Trata-se de um problema fundante, que afeta a todos nós por seus desdobramentos.

A crise da Lava Jato acaba colocando casos das prefeituras em segundo plano. Esses casos deveriam ter mais repercussão na sociedade?

Reis – Nos municípios está a base estrutural da política. A qualidade das relações políticas vividas em cada cidade impactará positiva ou negativamente as eleições estaduais e gerais. Um eleitorado dependente será facilmente manipulável por lideranças locais que negociem os seus votos. Isso favorece a composição de parlamentos estaduais e do Congresso Nacional por pessoas eleitas com base na negociação econômica com os agentes políticos presentes nos municípios. É uma teia invisível, mas de fácil percepção. A corrupção começa de baixo para cima.

De que forma a lei eleitoral ajuda nessa proliferação de casos?

Reis – A lei é permissiva demais, tolerando o abuso de poder econômico por meio de doações formuladas por empresas que buscam operar o que em sociologia política se chama de “captura de governo”. Não existem doações, mas contratos não escritos em que a sociedade é submetida a perder grande parte dos seus recursos na concessão de prêmios para os que apostaram economicamente nas candidaturas. É um sistema nada sustentável, mas plenamente amparado pela lei, o que é muito grave para a nossa democracia.

Fala-se muito que o país vem avançando no combate à corrupção, mas isso parece ser mais em âmbito federal. No caso das prefeituras, também há avanços ou falta muito?

Reis – A Lei da Ficha Limpa representou um grande avanço, indubitavelmente. Nas eleições de 2012 foram quase mil pessoas impedidas de concorrer a cargos de prefeito e vereador, segundo dados da Vice-Procuradoria Geral Eleitoral. Mas esse instrumento legal é enfraquecido pelo mau funcionamento de instituições que devem muito à sociedade brasileira. Refiro-me aos tribunais de contas, cuja composição hegemonicamente política e não sujeita a mecanismos de controle externo impede que cumpram adequadamente as suas missões constitucionais. Se os tribunais de contas operassem de modo mais efetivo, teríamos uma revolução na cultura política dos municípios. Há muito desvio de verbas nas cidades brasileiras e isso se deve à certeza de que não serão descobertos. O decano de um tribunal de contas disse recentemente que “se as contas fossem julgadas tecnicamente seriam todas elas reprovadas”. Era caso para a abertura de uma CPI, mas ninguém deu muita importância.

Que sugestões o senhor daria para melhorar o sistema?

Reis – É preciso reduzir imensamente os custos das eleições, agregar transparência às contas de campanha e impor sanções severas, especialmente no plano político, aos que burlarem o sistema. Além disso, precisamos de novos tribunais de contas, o modelo atual está sob suspeita. Ninguém lhes atribui o perfil técnico que deveriam possuir. Outra medida essencial é promover a educação política da sociedade. Nossos jovens deixam o ensino médio e na maior parte das vezes as faculdades sem uma noção mínima de democracia e civismo. Precisamos envolver o modelo educacional no processo de consolidação e aprimoramento da democracia brasileira.

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