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Suspense de provocar calafrios está garantido na telona com Conexão Francesa

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Luiz Zanin Oricchio

Um grande cartel de drogas, um juiz incorruptível, obcecado e corajoso contra um vilão carismático. Aí estão ingredientes para um bom filme policial. E, digamos de entrada, Conexão Francesa, de Cédric Jimenez, não nega fogo. Toma a tal receita, maneja bem os ingredientes e entrega um produto interessante ao público. Adiciona ainda um tempero em geral eficiente, a vinculação dos fatos de ficção com os da realidade.

Pois é bem verdade que, na virada dos anos 1970 para os 80, tempo ficcional do longa, a cidade de Marselha, no sul da França, tornara-se um dos principais entrepostos de drogas do mundo. Produzia para consumo interno, distribuía a droga para a França e para o resto da Europa, e ainda cruzava o oceano rumo ao grande mercado dos Estados Unidos. Os fatos já haviam sido tratados num clássico do cinema de ação, Operação França (1971), de William Friedkin, no qual Conexão Francesa se inspira, mas com o cuidado de não imitar.

É em Marselha que age Pierre Michel (Jean Dujardin), desafiando o poderoso chefão local, o italiano Gaëtan “Tanny” Zampa (Gilles Lellouche). Dujardin é conhecido por sua atuação em O Artista, o filme mudo que ganhou o Oscar e também deu a ele a estatueta de Hollywood como melhor ator. Em papel dramático vai bem. Compõe um juiz não apenas determinado, mas próximo do fanatismo no cumprimento de suas funções e daquilo que acredita ser sua missão na Terra. Não é raro encontrarmos nos profissionais da justiça essa devoção que os aproxima do fanatismo religioso. O interessante, no caso de Michel, é ele ter alguma coisa em seu passado que talvez explique o excesso de determinação como reação compensatória. A ligação entre pecado e redenção dá-lhe tônus dramático.

Da mesma forma, Jimenez preocupa-se em engrossar o caldo psicológico do antagonista, o cruel Zampa. Bem interpretado por Lellouche, tenta evitar o lugar-comum, mas acaba por cair no clichê do bom mafioso introduzido por Coppola em O Poderoso Chefão: o bandido cruel, por vezes verdadeiro psicopata, revela-se, na intimidade, pai de família exemplar, cuidadoso com a esposa e carinhoso com os filhos. Do anticlichê, retorna-se ao clichê.

O reforço “inspirado em fatos reais” expressa-se em cenas documentais. O então presidente Nixon elegendo o combate ao tráfico como prioridade do seu governo. Na França, Mitterrand elege-se para seu primeiro septenato. O antigo prefeito de Marselha, que fazia vistas grossas ao tráfico, é conduzido ao Ministério da Justiça e passa a colaborar com o juiz Michel. O quadro muda. Talvez nem tanto, porque deita raízes profundas nas esferas de poder e, mesmo quando peixes grandes caem na rede, não se pode garantir que o crime tenha sido debelado, apenas que mudou de mãos. Talvez nem isso.

Jimenez procura dar um tom de “cinema verdade” à sua ficção. As cenas de ação são bem filmadas. O conjunto é banhado em ritmo rápido, quase frenético, em que os tempos mais lentos são raros. Estes são consagrados à “intimidade” dos personagens. Em especial aos problemas de família do juiz, com sua mulher ameaçando abandoná-lo porque tem medo da represália dos bandidos

Em Conexão Francesa, a luta da justiça contra as gangues é entremeada a esses conflitos familiares. Joga com a intimidade e o aspecto, digamos assim, público da atividade criminosa. Nesse sentido, dialoga com o cinema noir ao mostrar que a criminalidade se instala nas disfunções do sistema social e dele não pode ser separada, como desejam os simplórios e os demagogos

Vai além e mostra como muitas vezes o crime se entrelaça justamente com aqueles setores do poder que deveriam combatê-lo. A vida é complexa e não funciona no esquema simples do Bem contra o Mal dos blockbusters americanos. Nesse sentido, Conexão Francesa é cinema adulto, para quem deseja encontrar na tela uma reflexão sobre as contradições da vida e não apaziguamento bovino. O excesso de clichês de gênero, no entanto, enfraquece um pouco a estrutura deste bom filme.

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