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Tardígrado, a pequena grande fera vagarosa que sobrevive resistindo a tudo que é ruim

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Quando os cientistas do Museu Americano de História Natural da Cidade de Nova York montaram a exibição sobre criaturas que sobreviveram sob condições que poucas outras poderiam tolerar, não precisaram pensar muito para encontrar o mascote da exposição. “Nós os pegamos no Central Park. Raspe um pouco de musgo e você vai achá-los”, afirma Mark Siddall, curador da mostra Life at the Limits (Vida nos Limites).

Ele estava falando dos tardígrados, pequenas criaturas que vivem quase que em todos os lugares: no musgo e nos liquens, em águas termais borbulhantes, no gelo da Antártica, em trincheiras no fundo do mar e no topo das montanhas do Himalaia. Eles sobreviveram até ao frio extremo e à radiação do espaço sideral.

Tipicamente cinzas claro e mais ou menos transparentes, com cerca de 1,6 milímetros de comprimento, foram descritos diversas vezes como parecendo hipopótamos minúsculos (se os hipopótamos tivessem uma tromba gigante e oito pernas, cada uma com várias garras), ácaros ou, mais comumente, ursos. Muitas pessoas os chamam de “ursos d’água” ou “ursos do musgo” (A palavra tardígrado vem do termo em latim para quem anda devagar).

Os tardígrados, que interessavam apenas aos especialistas em zoologia, agora estão gerando muito entusiasmo. Admiradores já produziram peças de arte e livros infantis sobre eles e organizaram até uma Sociedade Internacional dos Caçadores de Tardígrados “para incentivar o estudo da biologia dos tardígrados (ursos d’água) e ao mesmo tempo envolver e colaborar com o público”.

Segundo a sociedade, formada este ano na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, as pessoas podem achar os tardígrados se pegarem um pouco de líquen ou musgo, especialmente em um dia úmido, colocarem em um prato raso com água e agitarem um pouco. A sujeira vai para o fundo do prato, e os tardígrados provavelmente estarão aí.

A mostra do museu, que vai até janeiro, também possui besouros, flores, corais e outros animais com maneiras incomuns de sobreviver em ambientes hostis. Mas a entrada é guardada por uma réplica de três metros de um tardígrado, que parece flutuar sobre nossas cabeças. Nada mais adequado, já que eles, que vivem na natureza por cerca de um ano, são criaturas particularmente impressionantes entre os “extremófilos” da mostra.

Confrontados com secas, rápidas mudanças de temperatura, alterações na salinidade da água ou outros problemas, os tardígrados diminuem seu metabolismo para 0,01 por cento do normal, entrando em uma espécie de animação suspensa na qual perdem “a grande, grande, grande maioria de seus fluídos corporais”, conta Siddall. Então, enrolam-se como, na visão dos cientistas, um “tonel”.

Esses tonéis podem sobreviver a pressões atmosféricas 600 vezes maiores do que a da superfície da Terra. Podem ser congelados a 150 graus Celsius abaixo de zero por mais de um ano sem problemas. Uma vez, a Agência Espacial Europeia mandou tonéis para o espaço: dois terços sobreviveram simultaneamente à exposição à radiação solar e ao vácuo espacial.

Sem água, “os efeitos prejudiciais do congelamento não acontecem”, explica Siddall. “E eles também ficam protegidos contra o calor, porque a água dentro deles não pode se transformar em gás e se expandir.”

Até mesmo a radiação precisa da água para fazer mal, diz ele. Quando a radiação cósmica bate no líquido de uma célula, produz uma forma muito reativa de oxigênio que prejudica o DNA. O tonel não tem esse problema.

Tonéis já foram reconstituídos depois de mais de um século e voltaram à vida como tardígrados sem parecer um dia mais velhos.

Pouco se sabe sobre sua evolução, o que é péssimo porque os biólogos acreditam que deve ter sido interessante. O problema é que é difícil de encontrar fósseis de tardígrados.

Por muito tempo, os biólogos os agruparam com os artrópodes, outras criaturas, geralmente pequenas, com oito patas. Apenas recentemente os tardígrados ganharam seu próprio filo, uma importante categoria taxonômica.

As pessoas fascinadas pelos tardígrados geralmente contam que descobriram por acaso uma foto ou artigos sobre eles.

“Tropecei neles”, brinca Thomas Gieseke, artista e ilustrador de Merriam, no Kansas, que criou “The Tardigrade Queen”, um trabalho de acrílico em tela mostrando um tardígrado fêmea em um trono, com uma tiara e um escudo, que foi exposto na Galeria Todd Weiner em Kansas City, no Missouri.

“Vi uma fotografia de um”, contou ele em uma entrevista por telefone. “Fiquei fascinado.” Apesar de nunca ter visto um tardígrado na natureza, explica, “é a criatura mais resistente da face do planeta”.

“Gosto das patas. Parecem com mãos. Pensei: ‘Essa coisa lhes garante um status real’.”

Outro entusiasta dos tardígrados, Michael W. Shaw, de Richmond, na Virgínia, ficou interessado neles mais de uma década atrás quando estava ajudando as filhas em um projeto de Ciências da escola. Apesar de não saber nada sobre os tardígrados – seu diploma é de Artes –acabou levando microscópios para as aulas das meninas para espalhar sua admiração sobre essas criaturas fascinantes.

Mais tarde, fez sua contribuição para a literatura científica.

“Li um trabalho sobre os tardígrados mostrando onde eles podiam ser encontrados nos Estados Unidos, e Nova Jersey, onde estávamos vivendo na época, não tinha nenhum lugar”, conta ele.

Shaw, que morava em Somerset, decidiu visitar todos os 21 municípios de Nova Jersey e testar o líquen e as cascas de árvores, dois microambientes hospitaleiros aos tardígrados. Entre 2001 e 2009, ele conta, “fui a lugares urbanos e rurais, estacionamentos, cenários com a natureza preservada, fui para todo o lado. Encontrei-os em todos os municípios”.

Sua família achou que a obsessão era “estranha”, diz ele, mas o trabalho, que Shaw completou com a ajuda do doutor William Miller, um especialista em tardígrados da Universidade Baker, no Kansas, foi publicado no The Journal of the New York Microscopical Society.

Então, o site Vice fez um vídeo sobre Shaw. Rapidamente, novos fãs começaram a debater on-line se os tardígrados vieram do espaço sideral (uma ideia que Shaw não descarta) e como – e se – eles se desenvolveram.

No final, o trabalho virou dois livros que Shaw auto-publicou – “Tardigrade Quiz and Fact Book” (Livro de Perguntas e Fatos sobre os Tardígrados) (Fresh Squeezed Publishing, 2014) e “Tardigrade Science Project Book” (Livro de Projeto de Ciências sobre os Tardígrados) (Fresh Squeezed Publishing, 2011). Os dois discutem os tardígrados e explicam como jovens naturalistas podem reunir espécimes, fazer slides e, de várias maneiras, mergulhar nesse mundo de seres com trombas e oito pernas.

Hoje, os guias de Shaw sobre os tardígrados estão vendendo lenta, mas persistentemente (comentário típico do leitor: “Amo esses tardígrados!”), e ele escreveu outro livro para pessoas que têm o microscópio como hobby.

“A boa notícia é que você pode encontrá-los quase que em qualquer lugar”, segundo o site dos Caçadores de Tardígrados. O grupo convida caçadores a submeter seus “espécimes preciosos” para exame dos poderosos microscópios da universidade.

As amostras não serão mandadas de volta, avisa a sociedade, mas fotografias de espécimes particularmente interessantes podem ser publicadas on-line como o Tardígrado da Semana.

Na vida real, os tardígrados não fazem muita coisa. Siddall conta que, como a maioria dos animais, eles passam o tempo “juntos e comendo” plantas e animais menores que eles, e possivelmente até mesmo fazendo canibalismo.

“As pessoas muitas vezes perguntam: ‘Qual o propósito deles? Qual o seu papel no universo?'”, diz Siddall. Ele não tem resposta. Eles podem ser úteis no estudo de animação suspensa. Mas, pergunta, “vamos encontrar uma maneira de colocar os humanos em animação suspensa? Duvido”.

De qualquer maneira, diz ele, atribuir algum grande propósito para os tardígrados não é algo que um biólogo faria. As criaturas não têm que ter motivos para existir. “Eles apenas são.”

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