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Amor de mãe

Tragédia em Janaúba: como superar a perda de um filho?

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Claudia Pereira 

Difícil pensar em algo mais penoso para uma mãe do que a morte de um filho. Como dizem por aí, “não é a ordem natural das coisas” os filhos partirem antes dos pais. Não desmerecendo a relação que a figura masculina possui com suas crias, mas outros ditados comprovam que a ligação entre filhos e mães é transcendental: “nada se compara ao amor de mãe”, “mãe só existe uma”, “ser mãe é padecer no paraíso”, e por aí vai.

Uma relação que começa muito antes de aquele pequenino ser dar o ar da graça neste mundo. Para muitas, logo que a gravidez é anunciada tudo muda: forma de pensar, agir, se alimentar, hábitos de leitura, comportamento. Não é raro ouvir grávidas, principalmente as de primeira viagem, dizerem: “Não estou mais sozinha”, “Agora, preciso cuidar de mim e do bebê”, “Tenho de tomar cuidado com o bebê”. São meses à espera. Nove, na maioria dos casos. Uma vez ou outra algum apressadinho resolve adiantar a chegada.

Muitas mulheres relatam que o momento do parto é o que de mais emocionante vivenciaram em suas vidas. Após 270 dias de espera, aproximadamente, é chegada a hora de conhecer aquele ser que foi sua companhia “oculta” por tanto tempo, aquele que você nunca viu e sempre amou, que passou boa parte do tempo te chutando e a outra te fazendo ter sensações não muito confortáveis, mas que você, inexplicavelmente, se apaixonou desde o momento em que leu positivo no Beta HCG.

E se logo no começo dessa trajetória você fosse privada da companhia desse filho que esperou tanto, que amou intensamente e para quem planejou tantas coisas?

Foi o que ocorreu com as mães do Cemei Gente Inocente, em Janaúba (MG). Muitas repletas de sonhos e planos para os filhos, ainda em tenra idade, acordaram na última quinta (5) como todos os outros dias, levaram suas crianças para a creche e seguiram para suas atividades. Antes de o dia acabar, a trágica notícia: muitas delas não poderiam levar seus pequenos de volta para casa nunca mais.

Como se recuperar de algo assim, de uma perda tão brutal? Mesmo quando um filho está doente, a partida, por mais que “esperada” ou anunciada pelos médicos, nunca é fácil. Este é, provavelmente, o maior medo de toda mãe: ver o filho partir. Como mãe, não consigo pensar em dor maior.

Mesmo sabendo que este é um acontecimento incapaz de ser superado pelos pais, o blog conversou com uma psicóloga e psicopedagoga sobre como lidar com tragédias como estas.

Segundo Rafaella Ribeiro, quando a morte de um filho ocorre repentinamente e de forma brutal, como no caso de Janaúba, demora mais para os pais assimilarem o acontecimento, há um choque maior, “é como se ficassem entorpecidos, sem contato com a realidade. Passam por diferentes processos. Primeiro vem a raiva, a revolta, e depois a aceitação, o vivenciar o luto”.

A perda de um filho é algo que atinge toda a família, principalmente se o casal possui outras crianças. Segundo a especialista, “os pais estarão totalmente voltados para o incidente e o outro filho pode sentir que não foi cuidado ou olhado em algum momento. Os processos de luto nessas situações são mais prolongados, no mínimo um ano”.

E aquele tão famoso sentimento de culpa que assola a maioria das mães virá com tudo neste momento. “Em qualquer perda, os pais sempre trazem questionamentos como: o que poderia ter feito de diferente, será que me descuidei, será que não deveria ter colocado nessa creche? Além de recordar todas as coisas que fizeram, as vezes em que gritaram, que colocaram de castigo”.

Certamente, a morte de um filho é algo que nunca será esquecido, mas, para a profissional, uma forma de lidar com esta perda é “ressignificar isso de alguma maneira”. Rafaella pontua que uma forma de tentar amenizar a dor é “encontrar algumas bandeiras ou causas, fazer com que o ocorrido com o filho não se repita, que a morte dele não tenha sido em vão. De repente, esses pais fazerem uma campanha e mobilizar o governo e instituições para que acompanhem de forma correta pessoas com problemas psicológicos”. Outro ponto pode ser a busca por grupos de pais que passam pela mesma situação. “É importante ter com quem falar”.

Para Rafaella, nessas situações, fazer um acompanhamento psicológico é essencial e, dependendo do caso, até mesmo um acompanhamento psiquiátrico. “São momentos traumáticos que podem fazer surgir doenças psiquiátricas. É preciso ter um olhar para essas pessoas que vivem um momento de luto, observar se não estão desenvolvendo uma depressão grave. Todos vão se deprimir com uma perda dessas. Mas há uma linha tênue entre o sofrimento do luto e as pessoas que podem desenvolver uma doença. Elas passam a não comer mais, não saem mais de casa, o quarto está sempre escuro, não tomam mais banho, não olham mais para o outro filho”.

A comunicação da prefeitura de Janaúba informa que desde o fim de semana (7 e 8/10) o serviço de atendimento psicológico está disponível para os familiares dos alunos da creche Gente Inocente.

Mas há outro ponto nesta história que também será muito duro para os pais. E quando os filhos que foram atingidos pelas chamas retornarem para a casa? E aqueles que ficarem desfigurados?

Para a psicóloga e psicopedagoga, será um momento de os pais desenvolverem um novo olhar sobre os filhos. “Ele não tem mais o rosto que tinha, a mobilidade que tinha, os pais terão de aprender a lidar com isso. Como as crianças são muito pequenas, o que vai ditar a imagem é o próprio olhar dos pais sobre elas. Os pais terão de perder preconceitos e preparar os filhos para encarar uma sociedade julgadora. Construir a autoestima dessa criança, enaltecer outras qualidades – que não são os olhos bonitos, o cabelo. Fortalecer, por exemplo, sua personalidade. Se você tem uma autoestima bem construída você vai sofrer em alguns momentos, mas será mais fácil passar pelas rejeições. É importante não tratar a criança como coitada e sempre enaltecer as coisas positivas”.

Até o fechamento dessa matéria, 11 pessoas já haviam morrido em decorrência do incêndio na creche. Nove crianças, o vigia Damião Soares dos Santos, que fez o ataque, e uma professora.

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